Usamos a lógica apenas para racionalizar uma vontade. A vontade em si não é algo simples: biologicamente, trata-se de neurônios percorrendo determinados caminhos em certas condições. As palavras servem para tentar descrever esses caminhos e condições: o por quê (causa da vontade) e o para quê (efeito esperado).
Entre a vontade e a ação
Entre querer algo e agir, existem inúmeras variáveis que podem influenciar o resultado: inteligência, saúde física e mental, empatia, experiência, segurança, até outras vontades e, finalmente, todas essas variáveis dependem de outras variáveis, que dependem de outras e etc.
Trazer todos esses elementos à luz é um trabalho complexo. Geralmente, fica a cargo de advogados, detetives, médicos, psicólogos e outros profissionais que tentam compreender ou justificar as ações humanas.
O papel da experiência
A experiência costuma ser uma das variáveis mais importantes e fáceis de se explicar, tanto para reforçar quanto para negar uma vontade.
Quando temos êxito em uma ação, isso gera segurança para a própria vontade em uma eventual repetição — uma forma de inteligência prática sobre o que funciona. Quando falhamos, tentamos compensar inflando a vontade com outras variáveis: seja pelo desespero (uma causa intensa), seja por algum outro fator externo.
Em 2016 um pescador foi morto por um crocodilo. O gif acima não diz respeito a este evento.
No mesmo ano, o mesmo crocodilo foi executado.
A experiência está além da humanidade, é um instinto animal. Com o êxito, o crocodilo estaria mais propenso a atacar outro ser humano, uma vez que a experiência que ele teve com ataque foi bem sucedido.
Um exemplo pessoal
Tenho um parente jovem que se envolve com drogas. Meus tios, tias, avós e até os pais dele gastam horas em conselhos.
O conteúdo desses conselhos, em geral, é uma tentativa de racionalizar a vontade:
"A droga vai te afastar de uma vida boa, pois te distancia de boas pessoas, boas ações e boas oportunidades. Também vai te aproximar da morte, pois te coloca perto de quem convive com ela (traficantes)."
Apesar disso, ele continua se envolvendo com drogas e traficantes. Por quê? Simples: o conselho não foi capaz de transportar vontade.
Por que a lógica não vence
A vontade dele de usar drogas é maior do que qualquer argumento. Algumas variáveis em jogo:
- inteligência um pouco abaixo da média;
- saúde física relativamente estável (asma leve);
- saúde mental desconhecida;
- empatia baixa, geralmente momentânea;
- experiência com drogas associada a prazer (diversão, dopamina).
De vez em quando ele foge da polícia, mas quase sempre se livra. Na balança, as drogas ainda estão ligadas a curtição. Como palavras poderiam competir com isso? Impossível.
A polícia como “agente da experiência”
Enquanto todos tentam resolver com palavras, a polícia resolve com força bruta. Cedo ou tarde ela vai alterar a experiência dele:
- associar drogas a um evento desagradável;
- romper a ligação entre drogas e diversão.
Nesse ponto, talvez ele procure Deus, largue as drogas e até vire pastor.
Mas surge uma pergunta: por que esperar a polícia (ou pior, um rival, que pode reduzir drasticamente suas chances de sobrevivência) agir? Por que nós mesmos não agimos?
O peso de agir
A resposta é simples: porque agir exige esforços cansativos, exaustivos, complexos, imprevisíveis e traumáticos para ambas as partes. Ninguém quer esse fardo. Não é um trabalho fácil competir contra uma vontade quando sua única arma é a racionalização ou força bruta ineficaz.
A mãe dele até tem essa vontade, mas não tem forças suficientes.
Esperar pelo pior
Se o sujeito não quer ser ajudado, você não pode ajudá-lo na força bruta. Pior se ele for maior de idade, a menos que você consiga comprovar legalmente a incapacidade mental dele ou arquitetar um plano para que ele passe pela má experiência resultante de sua vontade de forma controlada, quaisquer esforços de ajudar quem não quer ajuda só terá efeitos colaterais devastadores e no fim quem quer ajudar pode sair prejudicado. Irônicamente e contraintuitivamente, a melhor forma de ajuda-lo é incentivalo a experimentar o fracasso o mais rápido possível, pois nenhum agente é mais eficiente que a experiência. (O famoso que se foda).